Entre a matéria e os bits

03/07/2011 14:16

Rafael Soal 

Os Strokes voltaram. Após cinco anos sem disco novo, muitas brigas em estúdios e farpas trocadas entre os integrantes na mídia, eles voltaram com Angles. Um disco que, segundo eles, trazia um mix de idéias de todos os cinco integrantes, literalmente feito a dez mãos. O lançamento do álbum estava marcado para o dia 22 de março, e o que mais se via eram fãs apreensivos e curiosos para ver o que seria esse tal de Angles. Finalmente, comprar um disquinho novo do grupo de New York, abrir o encarte, ver as fotos, colocá-lo no som, ouvir a músi... Parou aqui. O álbum vazou na Internet no dia 13 de março, nove dias antes do lançamento. No dia em que chegou às lojas, a expectativa já foi trocada por críticas, comentários e decepções. Ninguém se importou com o disco físico, ele já tinha sido ouvido em MP3, e pouco importa o resto. Os Strokes voltaram mesmo, já foram ouvidos, já foram julgados, e todos os fãs esperam o próximo disco.

O mesmo aconteceu com a Britney Spears. Passou o ano de 2010 falando de um novo disco fantástico, diferente de tudo que ela já fez o melhor da sua carreira etc. Lançamento mercado pro dia 29 de março. Mais de dez dias antes e o álbum inteiro já se encontrava nos iPods dos amantes do pop.

Nessa mesma situação se encontra Foo Fighters. A banda de Dave Grohl voltava de um hiato, e chamou Butch Vig, o mesmo produtor de Nevermind, clássico do Nirvana, junto com Krist Novoselic, baixista da mesma banda, e prometeram todos juntos entregar aos fãs o disco mais pesado do Foo Fighters, e – como não podia deixar de ser – o melhor da sua carreira. O lançamento? 12 de abril. Roqueiros antenados que são, observando atentamente a experiência dos seus companheiros de profissão, foram mais espertos e deram o golpe primeiro: a própria banda tratou de “vazar” Wasting Light na internet no dia 1º de abril. Não, não foi mentira.

Esse ano ainda reserva outras surpresas para os apreciadores de boa música. Daqui a pouco vai ter novo U2, do Artic Monkeys, do Coldplay. E, provavelmente, veremos essa mesma cena em cada véspera de lançamento.

O mundo digital já é um monstro muito maior do que as gravadoras podem combater. Mesmo se os discos não caíssem na rede antes do seu lançamento, em questão de horas todo mundo que tivesse um computador em casa poderia escutar as novas músicas. E já tem músicos gabaritados dizendo que as gravadoras têm, no máximo, dez anos de sobrevivência. Estamos, então, diante da extinção de um dinossauro que dominou a Terra por tantos anos? Espero profundamente que não.

Comprar um disco numa loja hoje em dia é quase uma odisséia romântica. A expectativa ao perguntar ao vendedor se ele já está lá, a sensação de tocá-lo, abri-lo, sentir o cheiro de novo, colocar no som e apreciar, faz desse simples ato quase uma paquera. É todo esse envolvimento que dá pena ver esvair-se.

Mas é difícil não se corromper. Esse que vos escreve, baixou o Angles no dia em que ele vazou. Até o dia do seu lançamento, já tinha ouvido umas seis vezes. Mas eu queria o disco físico. E quando entrei na loja, perguntei ao vendedor e fui apresentado à bolachinha, o coração apertou. Hesitação no ar. “Pra quê comprar um disco que eu já sei quase de cor? O que ele tem de tão diferente do que eu baixei na Internet? Vou jogar dinheiro fora, isso sim.” E para salvar o romântico que ainda grita dentro de mim, corri logo para o caixa e passei o cartão. Pronto. O mal já está feito. Mal? Se eu saí da loja com essa impressão, quer dizer que algo mudou. Eles estão conseguindo. É questão apenas de mais algumas tentativas.

A Internet está acabando como o romantismo. Em suas diversas formas de existência. Só me resta então ser “do contra”. Numa sociedade fast food o almoço mais gostoso é um Mc Donald’s, eu ainda prefiro me fartar com uma bela feijoada.

Ainda.