O REI DA ALQUIMIA

O REI DA ALQUIMIA

Depois de maus bocados, Leoni enfim faz as pazes com a Internet, aprende seus truques e faz dela sua parceira. Agora, está pronto para colher os frutos.

Por Rafael Soal

Leoni ainda não encontrou a fórmula do amor, mas não pode se queixar. É um dos pioneiros de sua geração a encontrar uma das fórmulas mais cobiçadas de hoje em dia: como viver de música em tempos de Internet?

Mas, para descobrir esse segredo, foi necessário um esforço digno de um alquimista. Leoni começou tímido, interagindo apenas com os fãs que frequentavam seu site oficial. Com o tempo, o músico foi percebendo que a forma de diálogo entre artista e fã começava a tomar um caminho inovador: a Internet, as redes sociais, a democratização de ferramentas de produção (Pro Tools, Sound Forge etc.), provocaram um choque não apenas nas grandes gravadoras, mas na forma dos artistas comunicarem com o público. Distribuir ou não músicas de graça? Gravar um disco de 11 faixas ou liberar singles mensalmente? Leoni também passou por essas dúvidas, mas hoje está tranquilo.

Leoni vem de dois lançamentos pela Internet que deram certo. Em meados de 2010, lançou o CD e DVD ao vivo A Noite Perfeita com um toque diferencial: quem adquirisse os dois na pré-venda levava o produto autografado. Leoni terminou tendo que rabiscar cerca de 7000 cópias. Na mesma época, lançou um e-book para ser baixado de graça pelo seu site. Manual de Sobrevivência no Mundo Digital conta as experiência que o músico teve e ensina o caminho das pedras a quem tiver vontade de aprender.

Frequentador assíduo do Twitter, Leoni responde a praticamente todas as perguntas que lhe são enviadas. Essa breve entrevista surgiu assim: um pedido, uma troca de DM's, perguntas na Caixa de Entrada, respostas dois dias depois. Talvez por ser tão íntimo da Internet, as coisas estão dando certo pra ele.

Paradoxo - A Internet mudou muito a forma de se comercializar e também de ouvir música. Como você vê a mudança desse processo? Você usa a Internet a seu favor?

Leoni - Foi o fim de um mundo e o nascimento de um inteiramente novo e desconhecido. A indústria do disco dominou durante algumas décadas a produção e a distribuição de música no mundo. Sem uma gravadora o artista estava fora do jogo. Todos os custos eram muito altos e as majors funcionavam como financiadoras e curadoras de todo o processo. Os diretores artísticos decidiam entre as milhares de fitas demo, quais seriam as eleitas para fazerem parte da festa. Eram os gate-keepers, o primeiro funil.

Depois vinha a gravação, que envolvia estúdios de milhões de dólares, músicos e produtores caros. A fabricação dos discos – fosse vinil, cassete ou CD – também era dispendiosa, mas nada se comparava ao marketing – aí incluído o famigerado jabá para as rádios.
Hoje o processo de gravação é infinitamente mais barato. Um mesmo laptop grava a canção e a distribui gratuitamente na internet. As gravadoras perderam o controle da produção e da distribuição.

Todo mundo tem direito a tentar a sorte no jogo. O que é uma vantagem enorme, mas também um problema de dimensões assustadoras: como chamar a atenção do público se a oferta de música é infinita? Se não há mais funis, quem é capaz de dizer o que merece e o que não merece ser ouvido?
É aí que entram as dicas que eu coletei para meu livro Manual de Sobrevivência no Mundo Digital – que já existe como e-book gratuito no meu site (https://www.leoni.art.br/download_ebook_manual_sobrevivencia.php) e foi lançado em novembro nas livrarias.

Vim testando várias formas de chegar no meu público através da internet. As vantagens são inúmeras: manutenção da privacidade mesmo com a extrema interatividade, preço perto do zero, rapidez de comunicação e possibilidade de se criar uma tribo que o ajude a divulgar suas canções. Como desvantagem temos o aumento da carga de trabalho – o diálogo com o público demanda tempo e dedicação -, a dificuldade de se chamar a atenção do grande público e nenhuma receita direta.

Eu acredito que a única forma de se criar uma carreira hoje em dia é tendo um show maravilhoso musicalmente e contato com o público pela internet.

Paradoxo - A produção de um disco em estúdios caseiros prejudica a qualidade do produto final?

Leoni - É claro que estúdios com mesas valvuladas, prés caríssimos, microfones de primeira linha produzem um som melhor. Mas a tecnologia barateou de tal forma os recursos de gravação digital que é possível conseguir um som maravilhoso em um estúdio caseiro. A diferença entre os dois mundos diminuiu muito e, em geral, só é percebida pelos ouvidos muito treinados dos técnicos de som e produtores. O grande público não percebe o desnível. Ainda mais em tempos em que os jovens ouvem as canções em MP3 com um fone só enquanto conversam e teclam no computador.

Paradoxo - O uso de grandes estúdios e também de infraestrutura avançada é um trunfo para as gravadoras ainda se manterem hoje no mercado fonográfico?

Leoni - As gravadora já não possuem estúdios. Ou seja, elas também estão atentas a uma melhor relação custo/benefício. Como suas receitas diminuíram, seus gastos com estúdios as acompanharam.

Paradoxo – Você produz seus discos em casa, em estúdio próprio?

Leoni -Não. Eu tenho um Pro-Tools para registrar ideias e fazer demos. Na hora de gravar eu alugo um estúdio pequeno, mas que caiba a banda toda tocando junto e gravo ao vivo.

Paradoxo - Você possui um selo próprio, o Outro Futuro. Você poderia explicar melhor o que significa um selo e as vantagens que ele pode trazer para o músico? O selo ameniza a relação músico/gravadora?

Leoni -Ter um selo significa que eu sou uma gravadora que não fabrica nem distribui seus discos. O que eu faço é criar o produto: gravação, mixagem, masterização, arte gráfica, liberação de direitos autorais, geração de ISRC (o DNA da canção), contratação de serviços etc. Daí eu me associo a uma distribuidora que encomenda o produto físico a uma fábrica. No A Noite Perfeita Ao Vivo, que estou lançando agora, a Microservice é a responsável pelas  duas funções. Eu não pago pela fabricação e recebo royalties de 40% para o selo e para o artista. Mas eu não lanço nenhum trabalho que não seja meu. É um selo pessoal onde artista e gravadora são quase a mesma coisa.

ParadoxoA Noite Perfeita é um registro ao vivo, e virou disco e DVD. É difícil produzir um disco ao vivo sem apoio de gravadora?

Leoni -Os custos são altos, mas a captação e a edição de vídeo foram feitas pelo Canal Brasil que se associou à Outro Futuro, meu selo, para esse projeto. Mesmo assim tive que “roubar” muito dinheiro dos meus shows para patrocinar todo o resto.

Paradoxo - Você já trabalhou com grandes produtores do mercado fonográfico nacional. A presença de um produtor no processo de realização de um disco é mesmo imprescindível? É possível fazer um disco sem a presença de um produtor?

Leoni - Acho que o produtor é importantíssimo para artistas iniciantes. A experiência simplifica, barateia e traz resultados muito melhores. Com o tempo, artistas costumam passar a ter muito mais condições de conduzirem suas gravações, arranjos etc. Com a diminuição do dinheiro no negócio da música, quem tem condições acaba dispensando um serviço que pode ser caro e ainda entrar em conflito com o conceito que o criador tem da sua obra.