O futuro é redondo

03/07/2011 11:59

Por Rafael Soal

Will.I.am, do Black Eyed Peas, pode não estar fazendo coisas coerentes ultimamente, mas tem teorias bastante interessantes. Uma delas é que a música é redonda. Sim, redonda. Não entendeu? Pois bem, segundo ele, o mercado musical só funcionou em épocas onde os espectros sonoros eram guardados em compartimentos redondos. O vinil? Pois é, o vinil, o começo de tudo, a bolachinha que só era ouvida por quem tinha toca-discos em casa, era redondo. Ponto pro Will. O K-7? O início da pirataria, o sonho de todo roqueiro que não tinha um tostão para comprar as bolachinhas acima? Era quadrado e não vingou. Ponto pro Will. O CD? Redondinho. Mais um ponto. O MP3: o fim da era das grandes gravadoras, o desespero de todo ser humano que quer viver dignamente de música, a marca da revolução digital... Bom o MP3 não tem formato, mas, pela lógica do Will, redondo ele não é de jeito nenhum.

Se eu fosse músico (esse já é um sonho frustrado, confesso) também estaria um pouco tenso com toda essa situação. Além de não receber um tostão sequer pelo meu trabalho, pelo meu empenho de horas de estúdio, a possibilidade das pessoas escutarem meu disco de doze faixas, do começo ao fim, era tão mínima quanto um operário assumir a presidência da República. A Internet e toda revolução tecnológica trouxe muitas vantagens para o mundo, mas, definitivamente, acabou com o significado de ouvir música.

Os Beatles – salvo todas as imensas proporções – viveram algo parecido. Eles eram uma febre mundial. E ninguém queria a cura. A solução? Os pobres coitados (sic) eram obrigados a lançar singles durante o ano todo. Mas, naquela época, graças à infraestrutura, o único jeito de ouvir música ainda era colocar a bolacha na vitrola e deixar rolar o disco por inteiro. Hoje, o artista começa a entender que tem que fazer o mesmo, mas não para sustentar uma febre, e sim para não ser engolido por uma doença de verão ainda maior. Sejamos bem-vindos ao mercado de nicho, algo que, por um lado, pode ser muito proveitoso, mas por outro, uma catástrofe.

Chris Anderson explica muito bem o panorama em seu livro A Cauda Longa (leiam, por favor. É essencial e vão adorar!). A tecnologia trouxe a democratização dos meios de produção. O que isso significa? Hoje, qualquer pessoa com um pouco de domínio das ferramentas do computador, pode fazer uma música, postar na Internet e ter seus 15 minutos de fama. A vantagem do negócio é que as opções se tornaram ilimitadas, mas o consumismo aumentou desenfreadamente. Você baixa uma música, escuta, minimiza e já baixa outra. E, se bobear, ainda deleta as duas no final. O prazer em ouvir música foi pro beleléu. A conclusão imediata: é besteira lançar um disco. Lance uma música por mês e fica tudo certo.

Duas provas recentes: o U2 lançou em 2009 No Line On The Horizon, décimo segundo disco da carreira. Um produto que demorou três anos para ficar pronto, incluindo aqui uma viagem pro Marrocos para conseguir uma nova sonoridade. Foi um desastre de vendas. A crítica foi só elogio, porém foi o álbum menos vendido da carreira da banda. Mas as músicas eram tão boas, tão bem construídas, tão esmeradas... O fato é que ninguém teve paciência para chegar ao final do álbum conceitual. Se The Wall, clássico do Pink Floyd, fosse lançado agora, não teria o mesmo brilho que teve na sua época.

Os Arctic Monkeys provaram do mesmo veneno. Lançaram um álbum novo no início do mês e, dias antes, colocaram um streaming em seu site para audição gratuita. A surpresa? O número de acessos a cada uma das faixas ia decrescendo até chegar valores ínfimos. Se a primeira teve 50.000 acessos, por exemplo, a última teve a atenção de 10.000 pessoas. A culpa é de quem?

Não sei se é questão de culpa, mas, sim, da cultura que se instalou com a tecnologia. Vivemos uma geração fast-food em todas as áreas. Comemos rápido, sem sentir o sabor dos alimentos, e, principalmente, comemos mal. A alimentação aqui pode ser de cultura também. Não importa o que façam nossos gourmets rock ‘n’ roll, estamos perdendo o tato para temperos. Coitado, então, de quem fica um ano criando receitas. Não é, U2?

Você, leitor, quer ficar rico e ainda escrever seu nome na história? Faça como o Will.I.am: descubra depressa uma forma redonda de guardar a música. A chance de ver seus ídolos fazendo um tributo em praça pública em sua homenagem é enorme. O que não seria nada mal.